Pequeno, mas muito acolhedor. Um discreto portão verde marcava o lugar por onde os poucos alunos do Colégio Global entravam todos os dias às 7h30. Ao passar por ele, o clima de intimidade e amizade entre funcionários e alunos fazia do prédio simples e mal cuidado na Rua Apinajés, em Perdizes, um abrigo agradável para todos.

Certo dia a diretora anunciou que haveria uma seleção no colégio para escolher quatro alunos que participariam do programa Passa ou Repassa, do SBT. Eu, aparecida e cara de pau como era aos dez anos, logo falei para todos que queria participar. Alguns dias depois os produtores do programa reuniram os alunos interessados, e eu, claro, estava lá.

No auditório do colégio, já não cabia mais ninguém. Todos os lugares foram preenchidos pelas crianças que queriam aparecer na televisão. Estavam próximas umas das outras o bastante para sentir a tensão alheia. Apesar da plateia lotada, o que chamava a atenção, no entanto, era o palco. Todo preto e um pouco acima do chão, o espaço fazia qualquer um que estivesse lá parecer importante.

Diferente dos meus amigos, eu não fiquei nervosa. Estava calma, afinal o processo era simples. Eles fariam perguntas e quem levantasse a mão primeiro poderia responder. Quem respondesse mais perguntas corretamente seria escolhido para competir com alunos de outro colégio no palco do programa.

No fim, eu consegui! Fui escolhida para participar do quadro “Torta na Cara”.

Chegamos cedo ao estúdio, nós quatro (os escolhidos), os professores e a torcida, que eram os alunos da 5ª, 6ª e 7ª série. Eu não fiquei com medo ou com vergonha. Estava me sentindo inteligente e confiante, afinal tinha acertado quase todas as respostas na seleção.

O camarim era apertado, só cabiam três ou quatro pessoas. As paredes com as cores do programa não nos deixavam esquecer onde estávamos. Duas mulheres, vestindo um macacão laranja e com os cabelos presos, nos esperavam em pé ao lado das cadeiras coloridas, que ficavam em frente ao espelho. Em um gesto apressado e já com a escova nas mãos elas nos fizeram sentar e começaram a transformação.

Arrumaram nosso cabelo, roupa e maquiagem. Quando estávamos prontos nos mandaram para o estúdio, onde a torcida nos aguardava. Adorei a sensação. Todos do meu colégio gritando nossos nomes e torcendo por nós.

O estúdio não era exatamente como eu imaginava. Não era grande e nem glamouroso, e sim apertado e desarrumado. Quase tudo que ficava além do enquadramento da câmera, parecia velho ou quebrado. Em uma das saídas tinha uma escada jogada e alguns equipamentos que pareciam sujos. Ao invés da plateia que víamos na televisão, haviam os câmeras, muitos fios e produtores agitados tentando organizar as crianças. Uma bagunça.

Mas isso não me incomodou. Estava feliz de estar do outro lado da tela. Foi então que Celso Portiolli, o apresentador do programa, entrou no palco e anunciou “está começando mais um Passa ou Repassa”. Bateu o nervosismo. E foi tanto que mal consigo lembrar o que aconteceu no programa depois disso.

Quando chegou a minha vez, eu levantei e com as pernas um pouco bambas fui até o meio do palco, onde já estava a competidora do outro colégio. Celso Portiolli, elegante, simpático e com voz de locutor de rádio, assim como vemos na televisão, fez a primeira pergunta.

A resposta era “o sal”. Eu sabia disso, mas a adversária foi mais rápida e apertou o botão primeiro. Levei a primeira tortada e perdi boa parte da minha confiança.

Segunda pergunta. Acho que estava tão nervosa que não lembro nem a pergunta e nem a resposta, e também não consegui apertar o botão antes da outra menina. Mais uma tortada! Comecei a sentir vergonha.

Terceira e última pergunta, pensei: essa eu tenho que responder. Me concentrei no botão, eu tinha que apertá-lo de qualquer jeito. Celso Portiolli leu a pergunta – que eu lembro bem: o cavalo relincha (ele imitou o som do relincho), o cachorro late “au au”, o gato mia “miau” e a galinha…

Apertei o botão.

“E a resposta é?”, disse o Celso. “Cocoricó”, eu disse.

Quê???? Cocoricó? É cacareja Helena, que burra!!!! Galinha não faz cocoricó, só criança fala isso… Que vergonha!

“E a resposta está eeeeeee…errada!”

Todos riram no estúdio. Até o Celso. “Produção? Não podemos considerar a resposta?”, pediu, contendo o riso e me olhando com certa pena. Não, a produção não deixou e eu levei a terceira tortada.

Misturava as cores roxo, branco e laranja, assim como os uniformes que usávamos. Pela televisão ela parecia gostosa. Na bandejinha de papelão que a segurava, ela parecia gostosa. Já no meu rosto, era grudenta, melada e doce, muito doce, do tipo que até enjoa. Sai do estúdio enjoada!